Não sou muito tradicionalista, mas também não me considero uma radicalista.
Gosto de algumas tradições, mas há outras que me deixam a pensar…
Se calhar, até faziam sentido há uns tempos atrás, quando pensava menos sobre as coisas, quando seguia a corrente dos que me rodeavam (sem as questionar) mas que hoje me parecem perfeita estupidez. Virtude ou defeito da idade, deve ser. Vou dar um exemplo.
Acontece que há dias, deparei-me com um grupo de rapazes universitários, agachados de rabo para o ar (no meio do passeio) enquanto outros tantos trajados de capa universitária, lhes ordenavam cenas… (tipo cena de bullying numa escola)
Lá passei no meio deles, em direcção ao meu destino, quando nisto, fui abordada por um deles (todo arteiro e sorridente) que me pediu dinheiro para ajudar a associação de estudantes.
Eu nem percebi bem do que se tratava mas, como não tenho por hábito dar dinheiro na rua, segui caminho.
Quando voltei, alguns minutos depois, lá continuavam eles, agachados, a responder às dúvidas existenciais, colocadas aos ditos caloiros, repetidamente, em tom de discurso.
Confesso : aquilo fez-me confusão.
De repente, o meu coração de mãe lembrou-se, que daqui a uns anos serão os meus filhos (ou os filhos dos outros) a ali estar agachados no passeio (ou sabe-se lá onde) nalgum ritual de iniciação.
Indignei-me. A verdade é que foi esse o sentimento que se apoderou de mim e armei-me em mãe.
Disse-lhes que não concordava nada com o que estavam a fazer e que achava ridícula toda aquela situação. Eles olharam para mim e reviraram-me os olhos com aquele ar de quem olha para “A chata”.
No entanto, justificaram-se; os caloiros, não os mais velhos. Explicaram-me que era a TRADIÇÃO e que o objetivo era fazerem amigos. Que ninguém os obrigava a ali estar e que até gostavam de ali estar, porque assim estavam bem integrados. Conclusão: Não estavam minimamente incomodados, eu é que sim.
Depois lembrei-me…eu disse exatamente aquelas palavras quando fui caloira.
Permiti que me pusessem a andar um dia inteiro só com um sapato, a limpar estrume de vaca, a carregar um colar e uma pulseira de alho pestilento durante uma semana, a ser borrifada com spray de vinagre (e sabe-se lá mais o quê), a levar carruladas despropositadas e assistir a coisas ainda piores, que nem me quero recordar.
Bebi muito. Shots sem fim, a roçar o coma alcoólico, pelas ruas e bares de Lisboa, até ser “batizada” numa fonte qualquer e ficar encharcada dos pés à cabeça. Isto foi a praxe.
Na altura, também encolhi os ombros, ri-me da minha figura triste e em nome da tradição e da vontade de estar integrada num grupo, fiz o que me disseram.
Sujeitei-me, sem resistir, à chacota desenfreada de várias pessoas. Se fiquei traumatizada por isso. Não.
Se me perguntarem se fiz mais amigos por isso? A minha resposta também é não.
Conheci muitas pessoas por isso, mas os amigos não nascem assim.
Às vezes, as tradições são apenas desculpas confortáveis para deixar as coisas ser, mesmo quando são injustas.
De que serve a luta contra o bullying nas escolas, a transmissão valores como o respeito pelo próximo e o direito à dignidade… Ou se defendem ou não se defendem, nisto não há meio termo. Acredito que em nome das tradições, não devem abrir-se exceções.
Como dizia o pedinte, que lá estava na esquina da rua: “ Vão mas é ler livros e não chateiem os outros” 🙂
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