Não é fácil, escolher as palavras certas para demonstrar-vos o quanto gostei da minha última viagem a Moçambique, mas vou tentar fazê-lo neste artigo. (8 min leitura)
Como alguns poderão saber, além de ser blogger de viagens, sou veterinária, e esta viagem não foi a típica fuga turística…
Durante duas semanas, juntei-me à associação de caridade britânica SPAY SISTERS, fundada por três incríveis veterinárias, incluindo a minha querida amiga Ella Stekly, que conheci na Madeira, há 10 anos.
Como funciona esta instituição de caridade?
A Spay Sisters teve início em junho de 2006. O seu objetivo é esterilizar o máximo de animais em todo o mundo. Pretendem salvar algumas vidas de cães e gatos levando-os a uma existência mais saudável pelo controle da reprodução. Após a operação os animais tornam-se mais calmos, lutam menos, têm menos doenças e, naturalmente, não produzem grandes quantidades de filhotes a cada ano. Um único gato ou cão pode ser responsável por 20.000 descendentes em cinco anos – não esquecer!
Na SPAY SISTERS os fundadores originais são veterinários e enfermeiros veterinários, de modo que o acesso a materiais e medicamentos é mais fácil e o tempo é dado gratuitamente. Isso significa que o dinheiro doado vai para apenas os anestésicos, drogas e equipamentos necessários para o trabalho. Não há custos de administração com as pessoas na viagem, já que estas pagam os seus próprios voos e o país que convida as Spay Sisters, trata da comida e alojamento.
Desde que as conheci, sempre tive o desejo de me juntar a esta causa. Dez anos depois, finalmente aconteceu – Moçambique foi o destino escolhido.
Como é escolhido o destino? Normalmente, as associações locais de proteção animal entram em contacto com a instituição e organizam a viagem.
Antes da viagem:
O medo do desconhecido era algo que me assombrou por alguns dias, antes da viagem. Tratava-se afinal de África, um continente que eu nunca tinha visitado. A incerteza do que iria acontecer, como entraria em contacto com meus filhos, e como trabalharia com este grupo de pessoas (das quais eu só conhecia uma delas) manteve-me a mente inquieta por algum tempo.
Mas a decisão estava tomada, era algo que eu sempre quis fazer e tinha que ir e fazer acontecer.
Acredito nas pessoas, esta “arrogância” ainda não morreu em mim…
Acredito que há pessoas boas no mundo e que se elas se juntarem, as suas ações podem ter um enorme impacto sobre a vida dos outros, por mais pequeno que possa parecer, à primeira vista. Também acredito nos princípios desta caridade e senti que tinha tudo a ver comigo. Tive muita sorte em ser convidada a juntar-me à causa, além de que o timing foi perfeito. A minha família também me incentivou a ir, incluindo os meus dois filhos.
O dia da viagem:
Seis de nós encontraram-se no Aeroporto de Heathrow, onde refizemos as nossas malas para garantir que conseguíamos levar todos os equipamentos necessários para a clínica, sem pagar excesso de peso. Estávamos todas animadas e felizes por estarmos juntas nesta missão.
Voamos para Dubai, onde conhecemos as outras quatro colegas do grupo e assim voamos juntas para Durban.
No aeroporto, à chegada, conhecemos um membro da associação local Protect Ponta, Caron, que nos acolheu durante aquela noite. Na segunda semana da viagem, encontramo-la novamente e ela ficou encarregue de providenciar o transporte, alojamento e alimentação ao longo dessa semana.
No dia seguinte, fomos conduzidos (5 horas de carro) até à fronteira Kosi Bay (África do Sul) / Ponta do Ouro (Moçambique).
Eram dois os motoristas, e um deles era tão engraçado! Fartamo-nos de rir com sua história de noivado e os seus medos de casar com a mulher errada. Também em Moçambique, há uma estação de rádio favorita chamada LM onde todos ouvem velhos hits como “Blame it on the Boogie” dos Jacksons, e foi assim ao som desta excelente música que começamos a nossa festa.
Ao longo da estrada, a Ella perguntou a cada uma no grupo:
Qual é o teu objetivo pessoal nesta viagem?
Desde melhorar as técnicas de esterilização, ficar bronzeada ou certificar-se que a segurança de todos estava garantida, as respostas foram múltiplas e curiosamente diferentes.
O meu objetivo pessoal era experienciar a causa das Spay Sisters e interagir com os locais.
Durante a primeira semana, ficamos em Ponta do Ouro, na casa da Lois. Ela e o seu marido cuidaram de nós como se fôssemos família. Nunca esquecerei ambos.
Na segunda semana, mudamos para Ponta Malongane onde a Sharon, também membro da associação Ponta Protect, pôs a sua casa de praia à disposição. Caron, Vanessa e Daniel tomaram conta de nós durante toda a semana, não só para nos ajudar com a captura dos animais, mas também para garantir que chegamos ao local certo e tínhamos comida suficiente. As estradas são de areia, não há sinalização ou números, apenas trilhos de areia no meio do nada, por isso é um desafio ir de A a B.
Trabalho, fadiga, amizade, abraços, amor, riso, chuva, ondas de calor, mar quente, belas praias de areia, canto dos pássaros, selva virgem, caranguejos surfistas.
Moz e Skinny – 2 dos cães que conhecemos de perto, brail (churrasco), Cristopher, Elias, “Smiley” (3 dos homens mais inquisitivos que conhecemos), chá Inglês de manhã, à tarde e à noite, estradas acidentadas, fora de estrada, jipes atascados, Capulanas, golfinhos pela manhã…
“Vânia e Dito” (duas crianças que conhecemos na primeira semana), ajuda mútua e algumas lágrimas, são apenas algumas das palavras que me vêm à mente, quando olho para esta viagem.
Poderei para sempre relembrar as emoções, surpresas e os gestos verdadeiramente humanos que tive o privilégio de viver durante a nossa estadia.
Sobre Moçambique, nenhuma frase pode fazer justiça à beleza deste lugar – posso mostrar-vos as imagens, mas para realmente compreender a magia deste país, tem que lá ir e senti-lo na pele.
Ouça o som da selva, os ruídos da noite e do mar, veja as cores do por do sol e das trovoadas. Sente-se à noite junto à fogueira e olhe para o céu estrelado. Não deixe de provar a cerveja de Moçambique 2M e os gigantes camarões saborosos.
Senti-me segura e bem-vinda e muitas vezes me belisquei para certificar-me de que a beleza era real. Estivemos no sul de Moçambique – Ponta do Ouro, Ponta Malongane, Mamoli e Zitundo, mas quando ouvi os locais falarem sobre a beleza de Bazaruto e Ilha de Moçambique, o brilho nos seus olhos, deixou-me com água na boca…
Sim, há pobreza, há fome, há crianças a vender pulseiras nas ruas quando deveriam estar na escola, também há uma alta taxa de HIV e muitas crianças infelizmente tornam-se órfãs – é tudo demasiado triste e precisam de ajuda, no entanto as pessoas sorriem e continuam a viver as suas vidas, lutando por dias melhores.
Alguns deles caminham 2 horas para ir trabalhar. Outros andaram outras tantas horas para levar o seu cão até nós, o que rapidamente descobríamos ao dizermos: – Por favor, volte mais tarde para levar o seu cão após a cirurgia. A resposta era, vou sentar-me e esperar, moro muito longe. Assim se sentavam e esperavam e assistiam ao nosso trabalho e riam enquanto os cães ficavam estonteados com a anestesia e conversavam uns com os outros, compartilhando o momento sem olhar para os telemóveis.
Depois do almoço, as crianças saíam da escola e vinham ao nosso encontro. Saltavam sobre as poças de água, subiam às árvores e a muitas eram corajosas o suficiente para se aproximarem da mesa cirúrgica e olhar para os olhos dos animais, intrigados pelo sangue das nossas luvas. Outros queriam mostrar-nos os seus livros escolares, com orgulho.
Quanto à experiência com as SPAY SISTERS, não poderia ter sido melhor, já que cada pessoa deste grupo, realmente, tentou fazer o seu melhor para que funcionasse. Quanto à interação com os locais, tivemos o prazer de partilhar a experiência com 4 estupendos estudantes de Maputo- Mércia, Orlando, Bilério e João, bem como uma veterinária local, a Sara, que foi incansável. Também conhecemos tantos locais através dos 4 locais diferentes que visitámos, crianças e adultos, cães e gatos, donos de restaurantes, o coro da igreja, os vendedores das lojas e, claro, as pessoas da associação local Protect Ponta que fizeram um trabalho incrível, devo dizer que fomos totalmente estragadas com mimos…
Não poderei agradecer-lhes o suficiente.
Tenho muito orgulho em dizer que conseguimos tratar e esterilizar 300 animais durante essas 2 semanas.
Uma palavra especial de agradecimento à Ella, que me convidou para esta viagem, e nos levou a ajudar os outros através da sua instituição de caridade e exemplo dado. A todos os meus colegas neste grupo, um grande Obrigada, por se certificarem que todos estávamos bem e o seu espírito de camaradagem! Gostaria também de agradecer aos dois fotógrafos profissionais, Alan e Greg, que nos acompanharam durante esta viagem por todas as imagens incríveis que tenho o prazer de partilhar neste artigo.
Obrigada a todas as pessoas que nos acolheram em suas casas, lojas, restaurantes e vidas durante estas 2 semanas: Caron, Shannon, Debbie, Sandra, Lois, Vanessa, Heike, Neil, Rob, Justin and Gareth!
Esta viagem trouxe-me muito mais do que eu poderia esperar, mas acima de tudo, trouxe-me esperança na espécie humana – Obrigada a todos.
Algumas notas sobre a viagem a Moçambique: A fim de visitar Moçambique, terá que entrar em contacto com a embaixada para obter um visto. Em Portugal custa 80 € e tem que lá ir pessoalmente. Também fiz a vacina contra a raiva e a prevenção da malária. Fiquei hospedada em casas particulares mas sugiro este e este lugar com boas referências.
Façam o que fizerem, não deixem de visitar Moçambique!
PS – Se quiser contribuir para esta instituição de caridade, visite o sitewww.spaysisters.org.
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